Plano Real, 30 anos: “Ainda não conquistamos estabilidade com prosperidade”

Economista Diogo Santos avalia que Plano Real teve mérito de controlar a hiperinflação que desafiava a economia, mas prejudicou a indústria e o emprego

O economista Diogo dos Santos, da Fundação Ipead -  (crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press)
O economista Diogo dos Santos, da Fundação Ipead crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press

Economista Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Fundação Ipead), vinculada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Diogo Santos diz que o Plano Real, que completa 30 anos nesta segunda-feira (1/7), deixou um legado positivo e um negativo para o Brasil. Em entrevista ao Estado de Minas, ele falou sobre a desvalorização da moeda ao longo dos anos, regime de metas de inflação e a estabilidade de preços aos consumidores.

Passados 30 anos da entrada em vigor do Plano Real, qual a avaliação que o senhor faz dessa iniciativa?
O Plano Real gerou um legado positivo e outro negativo. A herança positiva foi encerrar um período de alta inflação que o país enfrentava desde meados dos anos 1980. Isso foi possível graças ao aprendizado com os fracassos dos planos anteriores de combate à inflação e ao retorno da entrada de recursos financeiros externos (dólares) para os países em desenvolvimento, que havia se interrompido na década anterior.

E o negativo?
O legado negativo foi ter criado uma armadilha de baixo crescimento econômico. Para sustentar a estabilidade de preços, a taxa de câmbio e a taxa de juros foram mantidas em um patamar que prejudicava a produção nacional, principalmente a indústria e, portanto, a geração de empregos com remuneração maior. Ainda hoje o país sofre as consequências dos efeitos negativos desses fatores. Estamos vivendo uma desindustrialização, isto é, estamos mais dependentes da exportação de produtos como minério de ferro, soja, petróleo e café. Isso deixa o país mais pobre e mais vulnerável aos problemas econômicos mundiais.

Como podemos definir o Plano Real, que envolveu mais do que a busca de estabilização da moeda?
O Plano Real, em si, adotado no primeiro semestre de 1994, tinha nada mais que o objetivo de controlar a inflação. Mas, se entendermos o Plano Real como o conjunto de mudanças macroeconômicas realizadas pelo governo federal nos anos seguintes, podemos dizer que ele significou uma adaptação do Estado e da economia brasileira para dar mais liberdade e garantias aos setores financeiros nacional e internacional. A adoção do regime de metas de inflação, a busca permanente por superávit primário – isto é, o governo devolvendo menos para a sociedade na forma de serviços públicos do que o valor arrecadado com tributos – e a livre entrada e saída de capitais, conjugada com juros elevados, são fatores que moldam o funcionamento da economia brasileira até hoje e tornam o ambiente econômico menos propício ao desenvolvimento econômico sustentável.

O frango se tornou um símbolo do real, sendo vendido a R$ 1 o quilo, em 1994. Hoje, a situação é bem diferente. O que mudou e por quê?
Em primeiro lugar, a desvalorização da moeda ao longo do tempo é um processo normal. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, esse processo é mais intenso. Desde 1995, o real teve uma desvalorização de cerca de 708%. O dólar, por exemplo, que é a moeda mais poderosa e desejada no mundo, e por isso também uma das mais estáveis, se desvalorizou cerca de 100% desde 1995. Em segundo lugar, no Plano Real, a moeda brasileira foi fixada com o dólar, ou seja, um real valia um dólar. Com isso, o poder de compra do real era alto. Mas isso tem consequências negativas também. Com o real valorizado, ficava mais barato importar do que produzir no país, criando assim uma competição desleal entre os produtos nacionais e os importados, gerando menos empregos no país.

Com o Plano Real, produtos como o iogurte, antes restrito a camadas mais abastadas da sociedade, se tornaram acessíveis a outros brasileiros. De que forma isso ocorreu?
Isso ocorreu pela manutenção do real em patamar muito valorizado em relação ao dólar. A chamada “âncora cambial” foi o fator decisivo para garantir a estabilidade da moeda; e somente foi possível porque, na época, os países ricos e o setor financeiro internacional voltaram a emprestar para o Brasil, ou seja, forneceram os dólares necessários para manter o real valorizado. Essa opção não existiu, por exemplo, no Plano Cruzado, em 1986. Além disso, toda vez que um plano de estabilização entra em vigor, ocorre uma interrupção inicial da inflação, e isso aumenta o poder de compra do salário, permitindo um consumo menos restritivo por parte das famílias de menor renda.

A estabilidade da moeda permitiu que muitos brasileiros comprassem apartamento (financiado), carro novo e outros bens de consumo, o que seria impossível com a inflação nas alturas. Podemos dizer que a inflação é sempre a maior ameaça à força do real?
A estabilidade dos preços é um dos fatores relevantes para o desenvolvimento econômico. Mas não é o único. Tão importante quanto a estabilidade de preços, é a capacidade de o país realizar uma trajetória de crescimento econômico sustentável, com elevação da produtividade do trabalho, aumento da produção com maior conteúdo tecnológico e modernização da estrutura produtiva. Esses são os fatores cruciais para elevar o padrão de vida da população de modo sólido e duradouro. A conquista da estabilidade da moeda, trazida pelo plano real, foi importante, mas ainda não conquistamos estabilidade com prosperidade econômica e social.

Fonte: Jornal Estado de Minas – Publicado em 30/06/2024 – Reportagem Gustavo Werneck – caderno de Economia. 

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