Além do efeito devastador sobre a natureza e a piora da qualidade do ar, estiagem e incêndio pesam no bolso do consumidor
Fora dos livros didáticos, das projeções científicas nos laboratórios e dos filmes de catástrofe, as mudanças climáticas são sentidas no dia a dia e na pele dos brasileiros. O país vive sua pior estiagem pelo menos desde os anos 50 — Belo Horizonte completa, nesta segunda-feira (16/09), 151 dias sem chuva. Todos os biomas do país estão em chamas, e em um único dia foram registrados 5.000 focos de incêndio na última semana. Além do efeito devastador sobre a natureza e o mal-estar de respirar um dos ares mais poluídos do planeta, os brasileiros também experimentam as mudanças climáticas no bolso, com projeção de alta da inflação, com comida e energia mais caras, impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do país e possibilidade de um cenário pior a cada ano que passa.
As mudanças climáticas podem tirar R$ 3 bilhões do PIB de Minas Gerais todos os anos até 2050, projeta um estudo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar UFMG). O cálculo só considera os efeitos sobre a agricultura, setor mais sensível à crise climática, e sua repercussão sobre o restante da economia. Por isso, na prática, pode ser ainda maior, diz o autor da pesquisa, o economista Tarik Tanure.
Um PIB retraído significa aperto: “você tem queda de produtividade, reduz a oferta e produtores recebem menos. Isso tem um efeito multiplicador na economia, com menos renda, menos trabalho e menos consumo”, explica o pesquisador.
Termômetro da inflação, o sacolão sente os efeitos imediatos dos eventos extremos do clima. A safra da laranja, concentrada em Minas e São Paulo, será a menor em quase quatro décadas, segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), e o preço subiu quase 46% nacionalmente no último ano. Além disso, as laranjas estão cada vez menores, pois amadureceram rápido demais — o amadurecimento precoce devido ao calor, por outro lado, é responsável pelo aumento da oferta e baixa do preço do tomate neste momento. O café é outra cultura negativamente afetada. O preço subiu 16,6% no país e ainda mais em Minas, 29,1%.
“A preocupação não é só para a banana, a laranja, o café, mas geral. No começo do ano, houve lavouras de feijão abandonadas por causa do calor intenso. Dói no bolso do produtor. Ele calcula, faz um plano de plantio e de colheita em cima de um valor. Quando colhe, não consegue o que estava estimado para arcar com as despesas. Está havendo diminuição da qualidade de alguns produtos e, depois desse processo, pode haver falta. Não adianta nem a laranja estar R$ 20 se não houver o produto para oferecer”, completa a analista da gerência de agronegócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) Mariana Moreira Marotta.
O açougue também sente os efeitos do clima. A baixa umidade e os incêndios devastam as pastagens e encarecem o custo da produção, assim a carne de boi tende a ficar mais caros. A alta só não é maior porque outros fenômenos equilibram a balança, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O ciclo pecuário do boi deve atingir um pico de oferta neste ano, o que minimiza, mas não soluciona o problema. Mesmo assim, com pastagens secas, o gado é alimentado com ração, que é mais caro e acaba afetando o preço da carne. Após seis meses em queda, os cortes bovinos voltaram a subir em agosto: cerca de 0,50%, segundo o IBGE.
Prepare-se: com o fogo, vem a inflação
O ministro da Economia, Fernando Haddad, reconhece publicamente que a seca pressiona a inflação — assim, o custo de vida aumenta no Brasil. Isso ocorre às vésperas de uma nova reunião do Banco Central (BC) para debater a taxa de juros no país, que, se aumentar, deixará ainda mais difícil financiar uma casa ou um carro, por exemplo.
O coordenador dos índices de preço do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), André Braz, alerta que soluções macroeconômicas como o jogo dos juros do Banco Central não salvarão a economia ou as famílias das mudanças climáticas. “Nem juros altos conseguem resolver isso, se for um problema de oferta e não de demanda. A Selic resolve a demanda por serviços e bens duráveis, mas não um choque alimentício, não haver comida para vender. As mudanças climáticas podem, sim, afetar a agricultura brasileira e fazer muita gente passar fome”.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evita fazer previsões sobre a inflação antes de ter os dados consolidados de setembro. Mas é certo que o aumento da energia elétrica, que neste mês entrou na bandeira vermelha 1 (que adiciona uma taxa de R$ 4,463 a cada 100 kW/h consumidos) devido à estiagem, irá reverberar no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). “Isso com certeza impactará, porque a energia elétrica tem um peso grande no consumo e no orçamentos das famílias. No nível em que as coisas estão ocorrendo, é até difícil fazer uma análise. São incêndios que não tínhamos visto ocorrer antes, então é difícil dizer o que pode ocorrer, não tem precedentes”, analisa o coordenador do IPCA de BH e região do IBGE, Venâncio da Mata.
O reajuste vai além da conta de luz e se espalha pela economia. Afinal, desde pequenos até grandes negócios também pagam a tarifa, lembra o economista da Fundação Ipead da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Diogo Santos. “Isso significa elevação de custos. Será mais importante em negócios que utilizam mais energia e precisam refrigerar ou congelar produtos, por exemplo”. Há esperança, ainda assim, de que o repasse de aumentos seja discreto, pois no último mês os comerciantes tiveram o alívio da bandeira verde após um mês de bandeira amarela.
Outro impacto que sai do centro dos incêndios até o bolso do consumidor é o da cana de açúcar. Os produtores atestam prejuízos milionários. Só em Minas, as perdas são estimadas em R$ 180 milhões até agora, segundo a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig Bioenergia). Por ora, a produção de açúcar sofre uma ameaça maior do que a do etanol, mas a perspectiva para ambos é sombria em 2025, segundo o presidente da entidade, Mário Campos.
A cana salva precisa ser moída o mais rápido possível, explica ele, o que impede cristalizar a sacarose e produzir açúcar. Por isso, o percentual de etanol no mix da produção está maior neste momento. “Deslumbrava-se queda de produtividade no ano que vem pela seca. Com os efeitos desses incêndios, podemos ter ainda mais perdas do canavial, e a perspectiva da safra que vem é de redução da produção de açúcar e etanol no Estado. Temos um pouco mais de etanol neste primeiro momento, mas, no médio e longo prazo, a perspectiva é de redução”, diz Campos.
Ele ecoa os demais setores atingidos pela seca e pelo fogo. Os danos imediatos ainda não são plenamente entendidos, e a certeza é de uma crise climática que durará anos, com ameaças ainda desconhecidas.