Custo de vida aumenta com inflação de itens importantes como alimentos, gás e combustível. Só a cesta básica teve maior alta em dez anos
A cada ida ao supermercado, a comerciante Leila Santos, 50, tem visto os preços aumentarem e o carrinho ficar mais vazio. A conta no fim do mês também não fecha na hora de pagar as faturas de água, luz, gás, aluguel e a gasolina do carro. Só nos últimos meses, a família de quatro pessoas teve um acréscimo de 40% nas despesas. E claro, o salário não acompanhou os aumentos. “A gente vai cortando a carne, comendo ovo com salada, cortando qualquer despesa extra e fazendo os nossos ‘bicos’. É um sufoco, tem que se virar nos 30”, desabafa.
O aperto da comerciante faz sentido. Para arcar com todos os custos de uma casa, o salário mínimo, que hoje é de R$ 1.100, deveria ser de R$ R$ 5.403, o equivalente a 4,82 vezes mais do que o valor vigente, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O cálculo foi feito com base no custo das cestas básicas, que, em Belo Horizonte, teve uma variação de 22,80% nos últimos 12 meses, a maior alta em dos últimos dez anos.
“Para a família de baixa renda isso pesa muito, a alimentação é o maior impacto. Considerando que esses produtos registraram altas muito acima da inflação, houve uma sensação de que o custo de vida aumentou mesmo. Para a classe média, outros itens tiveram redução, como vestuário e educação, então o efeito é menor. Mas independente disso, o preceito correto seria de que salário mínimo atendesse todas as necessidades de uma família de quatro pessoas, incluindo alimentação, moradia, transporte, lazer e educação. A questão não é que o salário precisasse estar acima dos R$ 5.000, mas era fundamental que o país tivesse uma política de valorização do salário. Em 2009, você conseguia comprar mais duas cestas com o mínimo”, avalia o supervisor técnico do Diesse, Fernando Duarte.
De acordo com a coordenadora de pesquisa e desenvolvimento do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis da UFMG (Ipead/UFMG), Thaize Martins, só com alimentação, uma única pessoa desembolsa por mês, em média, 51,89% do orçamento, levando em consideração o salário mínimo. Os aumentos de 84,22% do óleo de soja, do arroz, de 69%, e da alta acumulada de 30,69% do açúcar no último ano foram os principais responsáveis pela elevação. Em média, a cesta básica na capital custa R$ 570,80.
“A alimentação consome mais a renda, mas a energia elétrica aumentou muito, o gás de cozinha também está subindo. É um momento difícil. Muitas famílias tiveram redução da renda, temos o desemprego”, explica.
Em Belo Horizonte, o mês de fevereiro terminou mais uma vez com o custo de vida mais alto. Segundo o Ipead, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 0,32%, elevando para 5,2% a inflação acumulada nos últimos 12 meses. Entre os itens que mais pesaram está a gasolina comum, que teve alta de 6,49%, e o gás de cozinha, com aumento de 4%.
De acordo com o FipeZAP, o preço do aluguel em BH também subiu muito: 6,91% nos últimos 12 meses. Só com o valor do aluguel de um apartamento de 77 m² na capital, o gasto de uma pessoa é de R$ 1.832,60, em média.
Com preços altos, o consumidor acumula contas a pagar. É o fez o líder comunitário do Morro do Papagaio, Júlio Fesso, 45. Desempregado, o auxiliar de serviços gerais tem sustentado a casa com a cesta básica doada pela prefeitura de Belo Horizonte. Ele decidiu acumular as faturas da conta de água e luz. “A gente tem que escolher o que paga, não tem emprego. Eu topo qualquer coisa, mas nem assim tenho opção”, afirma.
Pressão sobre valores vai continuar
Para Mauro Rochlin, professor da FGV, o aumento generalizado de preços ocorre, principalmente, devido à desvalorização cambial (que encarece insumos no Brasil) e ao alto volume das exportações, que desabastece o mercado interno. Para ele, a tendência é que a inflação continue subindo este ano, puxada ainda pelos alimentos, mas também pelos combustíveis, que vêm ficando mais caros desde junho do ano passado, e pelo setor de serviços.
“Os efeitos disso vão se apresentar na queda do consumo, um aumento ainda maior do desemprego, que deve sair da faixa dos 13,5% e ir para 15%, o crescimento do país será menor que o esperado. Pode haver uma recuperação tímida”, disse.
Fonte: Jornal O Tempo – Publicado em 08/03/2021 por Letícia Fontes.