Combustível em alta no Brasil impacta fretes e deliveries

Reajustes podem respingar também no transporte urbano e na energia

As novas altas nos preços dos combustíveis — a  quarta da gasolina e a terceira do diesel, que estão 34,78% e 27,72% mais caros, respectivamente, somente neste ano — que começaram a valer na última sexta-feira (19) vão muito além da bomba.

Segundo especialistas, a alta tem potencial para impactar diversos setores da economia e pressionar o preço dos fretes, dos alimentos, das tarifas de transportes urbanos e até da energia. Sem conseguir absorver os prejuízos, de acordo com os empresários, a única certeza é que o aumento final irá cair na conta do consumidor.

Se engana quem pensa que o aumento dos combustíveis fica somente na conta do motorista. Segundo especialistas, a alta pressiona o custo do frete, o que pode respingar no preço dos alimentos, dos deliverys e até mesmo no comércio. 

Para o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel-MG), Matheus Daniel, o aumento no valor do frete dos deliverys deverá ser proporcional ao da gasolina, em torno de 10%.

“Não é só a gasolina, tem o gás, tem a carne, tudo isso impacta. Alguns empresários conseguem absorver um pouco mais, outros menos, mas eles estão tentando segurar o máximo. Mas essa nova alta incide diretamente no custo, principalmente o frete, que é um aumento imediato”, explicou.

Segundo a economista da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Ana Paula Bastos, por ora, não é preciso estimar qual será o impacto no comércio, mas o efeito já poderá ser sentido nos próximos meses.

“O empresário terá um custo maior de transporte e ele não pode absorver tudo, o produto final chega com um preço maior. O comércio está há muito tempo fechado, já teve perdas grandes, o setor não tem mais fôlego”, pontuou. 

Quem também dá sinais de que não têm mais fôlego para absorver o aumento dos combustíveis são os caminhoneiros. Para o presidente da Confederação Nacional dos Caminhoneiros e Transportadores Autônomos de Bens e Cargas (Conftac), José da Fonseca Lopes, não será preciso nem de greve.

“Os caminhoneiros vão parando por conta própria, porque fica inviável trabalhar assim, não tem como, porque 60% do valor do frete vem do combustível. O caminhoneiro vai trabalhar de graça”, questiona. 

Para o gerente de Pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/ UFMG), Eduardo Antunes, as medidas anunciadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tendem a fazer pouco efeito na prática.

Na última semana, o presidente informou em suas redes sociais que irá suspender por dois meses a cobrança de tributos federais sobre o óleo diesel. Outra tentativa do governo para amenizar a situação está na diminuição do ICMS, que é de competência dos Estados. O presidente enviou ao Congresso um projeto de lei para nivelar o imposto cobrado nas unidades da federação. 

“Para subir, sobe que nem um foguete. Mas para cair, é igual a uma pluma. É preciso aguardar, porque o preço do combustível depende de diversos fatores, do cenário internacional, da valorização da nossa moeda, da cotação do dólar, existe muita especulação”, avalia Antunes. 

Em quatro semanas. o preço do litro da gasolina subiu 4,3%, atingindo R$ 4,769, segundo pesquisa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O etanol subiu 2,79% no mesmo período, passando para R$ 3,289. Já o aumento do diesel ficou em 2,09%, indo para R$ 3,762. 

Para compensar diesel, tarifa de ônibus teria de subir 5%

Segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH), para compensar o reajuste do óleo diesel seria necessário aumentar em pelo menos 5% o valor da tarifa atual.

“Isso levando em consideração apenas esse aumento, porque vamos ter um impacto de R$ 5 milhões por mês. Mas temos outros custos, porque estamos trabalhando há dois anos sem correção e o número de usuários diminuiu drasticamente”, explicou o diretor de tecnologia do Setra-BH, Albert Andrade. 

“Essa questão do transporte coletivo não será apenas em Belo Horizonte, mas no país inteiro. Só agravou uma situação de dificuldade que já vínhamos passando”, completou Andrade.

Embora o serviço seja regulado e, portanto, os preços da passagem não subam livremente, o setor pretende iniciar em breve diálogo com a prefeitura para reverter a situação.

“Não estamos falando de reajustes, queremos resolver esse impasse em conjunto com a prefeitura, talvez com algum um subsídio. O que estamos vendo são empresas com grandes dificuldades financeiras”, pontuou o diretor de tecnologia do Setra-BH.

Para driblar o aumento das despesas no combustível, o motorista de aplicativo, Ramon D`Almeida, 30, aumentou a jornada de trabalho. Antes, ele trabalhava oito horas por dia, agora, a média é de 16 horas diárias.

“Pelas minhas contas vou gastar o dobro do que eu gastava por mês. As empresas continuam tirando o mesmo tanto de lucro no preço das corridas e nem uma ajuda é feita. Não sei mais o que fazer, porque nem passageiro está tendo direito”, contou o motorista. 

Reajustes do gás pesam na inflação

A disparada no preço do gás de cozinha também está pesando no bolso dos brasileiros. Desde janeiro, o setor já sofreu dois reajustes. Na última semana, o ramo sofreu reajuste de 5,05% nas refinarias das Petrobras. E o aumento já chegou às revendas. Um botijão de 13 kg passou a custar R$ 96 pela nova tabela.

Em Belo Horizonte, segundo levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead-UFMG), o gás de cozinha assumiu a oitava posição de peso na inflação entre 242 itens observados na composição do IPCA da capital no período entre 8 de janeiro e 7 de fevereiro.

Quem está se virando nos 30 para dar conta de todos esses aumentos é o técnico mecânico Natanael Silva, 51. Ele e a família passaram a utilizar o microondas para economizar.

“Aqui, nós estamos fazendo comida só em grande quantidade e depois só esquentar no microondas. Ainda estamos fazendo essa experiência para ver se dá certo. A economia tem que vir de todo lado, porque o bolso não aguenta. Aqui, banho só pode durar 10 minutos e depois desliga o chuveiro”, conta o mecânico, que já planeja gastar mais de R$ 300 de combustível para trabalhar.

“A gente aperta o orçamento, mas não importa o quanto economiza, sempre aumenta os preços”, desabafa.

O presidente da Associação dos Revendedores de GLP, Alexandre José Borjaili, garante que o setor está à beira da falência.

“Sem chance do revendedor aguentar mais esse aumento do combustível. A tendência é que haja um acréscimo de, em média, R$ 2, porque aumenta mais uma vez a planilha de custo, temos que considerar o transporte. Estamos em um momento que os revendedores estão fechando às portas”, afirma. 

Outro lado

Sobre um possível reajuste na tarifa de ônibus na capital, a prefeitura de Belo Horizonte informou que no momento não há nenhuma informação sobre reajuste da tarifa do transporte coletivo na cidade. 

Procurada, a Uber não informou se pretende aumentar o preço das corridas. A empresa destacou apenas que a taxa fixa da empresa aos motoristas é variável desde 2018.

A Uber reforçou ainda o lançamento de diversas iniciativas para ajudar os motoristas. Uma delas é o programa com uma rede de combustível em que o motorista parceiro pode receber 4% de cashback, além de acumular pontos que podem ser revertidos em troca de óleo.

Outra iniciativa são os programas Uber Conta e Uber Chip, que tem como objetivo reduzir os custos de internet e transferência de quem realiza as viagens de carro e entregas usando a plataforma. 

A 99 e o Cabify não se manifestaram.

Fonte: Jornal O Tempo – Publicado em 22/02/2021 por Letícia Fontes.


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