Sem dar trégua, preços da cesta básica impõem cortes e hábitos novos

Substituição de produtos mais caros, troca de marcas preferidas e mudança no cardápio são algumas das estratégias das famílias para driblar os aumentos dos preços

Os aumentos dos preços do arroz, do óleo de soja e da carne ganharam a companhia da maioria dos itens da cesta básica. Dos 13 alimentos que compõem a despesa típica, oito deles encareceram em Belo Horizonte, de janeiro a setembro, acima da média geral, incluindo o leite, feijão-carioquinha, farinha de trigo, açúcar e tomate.

No mês passado, os gastos somaram R$ 490,74 na capital mineira, maior valor dos últimos anos e que já consumia quase a metade do salário mínimo (R$ 1.045), segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead), vinculada à UFMG. 

Como a alta dos preços não dá sinais de retroceder, os reajustes já forçam a mudança de hábitos do consumidor, que, se antes buscava substituir os itens mais caros, agora troca as marcas preferidas pelas mais baratas e reduz as compras. Carro-chefe dos aumentos, o encarecimento do arroz provocou irritação  novamente do presidente Jair Bolsonaro, questionado no domingo sobre a  alta.

Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas alertam que os reajustes não vão ceder no curto prazo e recomendam às famílias organizar as despesas do mês para encontrar formas de cortar gastos

A segunda prévia da inflação deste mês medida em BH pela Fundação Ipead mostra que os preços da alimentação continuam a subir. No grupo das despesas com alimentação na residência, o reajuste médio foi de 3,59%, mais de quatro vezes e meia a variação de 0,78% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O levantamento se refere ao período de 30 dias terminado na segunda semana de outubro. 

Na expectativa de que a inflação deste mês fique próxima ou acima do IPCA de setembro (0,64%), a coordenadora de pesquisas da Fundação Ipead, Thaize Martins, diz que a receita para as famílias é focar em outros cortes de gastos, além da comida. “A recomendação é que as famílias tentem organizar as despesas mensais. Ver o que pode ser reduzido neste momento, já que a tendência de preços é manutenção ou alta”, disse. 

Para o economista André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a escalada das despesas se deve a efeitos distintos, a começar pela quarentena. Desde a segunda quinzena de março, houve uma corrida aos supermercados para reforçar a despensa, já que seria necessário ficar em casa para conter a disseminação do novo coronavírus. “Aquela procura imediata, motivada pelo isolamento, fez com que alguns preços subissem por causa da lei da oferta e da procura”, analisa.

Exportações

Outro fator destacado pelo especialista é a elevação do câmbio. “A desvalorização do real frente ao dólar foi brutal nos últimos 12 meses, superando os 30%. Como o preço é cotado lá fora, não adianta a gente ter toda a cadeia de derivados no quintal de casa. Basta nossa moeda se desvalorizar que a cadeia de derivados vai junto. O milho encarece a carne de frango. A soja encarece a pecuária. As carnes ficam mais caras. Massas, pães, biscoitos, macarrão, tudo fica mais caro”, explica André Braz. 

Em BH, enquanto a alta geral do custo da cesta básica pesquisada pela Fundação Ipead foi de 5,70% neste ano até setembro, sofreram fartos reajustes o arroz (44,19%), óleo de soja (59,62%), leite (22,58%), feijão-carioquinha (17,97%), entre outros itens. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesse caso para a Grande BH, indicaram alta geral de 5,71% das carnes, com destaque para as remarcações de 17,58% nos cortes de porco e de 11,82% no acém bovino. 

A safra também contribui para o cenário de disparada dos preços da comida, segundo o economista André Braz. “A gente teve a primeira safra ruim de feijão, e uma redução da área plantada de arroz”, disse. Associado a isso, o Brasil ainda registrou aumento das exportações de carne para a China neste ano. 

A expansão dos embarques ao exterior favorece a balança comercial brasileira, mas, por outro lado, leva à diminuição da oferta no mercado interno. Entra, então, em cena mais uma vez a lei da oferta e da procura: um mercado desabastecido tem preços mais altos. “Todos esses fenômenos ajudaram a colocar os alimentos no patamar em que estão hoje.”, afirma o pesquisador do Ibre/FGV.

Enquanto isso, o cliente sente no bolso que a cada ida ao mercado precisa frear ainda mais os gastos. É o que tem percebido a fisioterapeuta Tereza Cristina Figueira Valias, de 45 anos, que costumava comprar um saco de arroz por R$ 18 e agora tem de pagar R$ 32 pelo mesmo produto. O açúcar, nas contas dela, dobrou de preço. “Aumentou muito a compra do mês passado para este. O pacote de açúcar pelo qual eu pagava R$ 6, hoje comprei por quase R$ 12”, reclama.

Para conseguir pagar a conta, Tereza Cristina diz que tem substituído alguns alimentos e deixado de comprar outros – exatamente o que recomenda o economista do Ibre/FGV. Mesmo cortando os supérfluos, os gastos da fisioterapeuta subiram de R$ 350 para R$ 498,50, comprando menor quantidade de itens.

Outra mudança na casa dela foi a opção mais frequente pelo frango em lugar da carne bovina, e a substituição de marcas também já é realidade. “Hoje, comprei ervilha e milho verde de marca desconhecida porque estavam mais baratos. O leite também subiu muito e troquei por marca mais barata. Não estou mais usando óleo de soja, agora só banha de porco, até por ser mais saudável.”

Os desempregados sofrem ainda mais. É o caso do gestor comercial Décio Brasil Melo Júnior, de 49, que atualmente está procurando emprego. “Senti no bolso que o valor das compras aumentou muito”, conta Décio. “Primeiro, aumentaram os legumes e verduras, junto com leite.. Depois percebi o feijão e o arroz. O preço assustou agora”, disse. 

Na casa de Décio, a opção pelo frango ocorreu no início do ano, por uma indicação profissional de nutricionista, o que nem sempre é possível. “Frango eu só compro industrializado. Fica na faixa de R$ 8 a R$ 11. Como existe muita concorrência, então sempre tem promoção. Gosto de uma marca, mas quando assusto com o preço compro outra”, explica. 

Queda de braço contra reajustes

Aproveitar os encartes promocionais e reduzir as compras são outras duas formas que as famílias têm para tentar recusar os aumentos e ajudar a forçar alguma regulação dos preços, como observa o pesquisador do Ibre/FGV André Braz.  “Importante ressaltar que, à medida que a gente renuncia àquilo que está mais caro, a gente está dizendo para o mercado que vai sobrar mais aquele produto”, afirma. 

Fonte: Jornal Estado de Minas – Publicado em 27/10/2020 por Deborah Lima.


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